O historiador como fotógrafo da morte: uma leitura de Histórias que só existem quando lembradas

Autores

  • Douglas Attila Marcelino

DOI:

https://doi.org/10.14393/artc-v22-n40-2020-56971

Palavras-chave:

Histórias que só existem quando lembradas, fotografia, escrita da história

Resumo

Tomando como objeto de análise o filme Histórias que só existem quando lembradas, lançado em 2012 e dirigido por Júlia Murat, este artigo propõe uma reflexão sobre o fotógrafo como metáfora do papel do historiador. Tal como a fotógrafa recém-chegada na cidade imaginária de Jotuomba, na qual um conjunto pequeno de moradores desenvolve suas atividades diárias apagando completamente a passagem do tempo, é possível compreender o historiador como aquele que se utiliza de rastros e vestígios para a construção de imagens por meio das quais os sujeitos podem entrar em choque com o seu passado, de modo semelhante à concepção benjaminiana sobre a noção de rastros e sobre a produção de imagens dialéticas. Esse choque, como instantâneo que se configura na tensão entre o recalcado e os desejos que tornam qualquer relação com imagens do passado anacrônica, pode ser libertador do peso de um passado que se acumula, de forma anódina e previsível, nas repetições do cotidiano, por intermédio de gestos, ritos, objetos, frases clichês, enfim, de uma vivência que se esqueceu (ou recalcou) da própria passagem do tempo.

Downloads

Biografia do Autor

  • Douglas Attila Marcelino

    Doutor em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador do CNPq. É autor, entre outros livros, de Historiografia, morte e imaginário: estudos sobre racionalidades e sensibilidades políticas. São Paulo: Alameda, 2017.

Referências

ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas: Unicamp, 2011.

BARTHES, Roland. L'effet de réel. In: BARTHES, Roland et al. (orgs.). Littérature et réalité. Paris: Seuil, 1982.

BARTHES, Roland. Michelet. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

BARTHES, Roland. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

BENJAMIN, Walter. Paris do Segundo Império. In: Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989.

BENJAMIN, Walter. A imagem de Proust. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BLANCHOT, Maurice. A literatura e o direito à morte. In: A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

BLANCHOT, Maurice. A obra e o espaço da morte. In: O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

CANDAU, Joël. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2011.

CATROGA, Fernando. O céu da memória: cemitério romântico e culto cívico dos mortos em Portugal (1756-1911). Coimbra: Minerva, 1999.

CONNERTON, Paul. Como as sociedades recordam. Lisboa: Celta, 1999.

DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo: Editora 34, 2012.

DIDI-HUBERMAN, Georges. De semelhança a semelhança. Alea: Estudos Neolatinos, v. 13, n. 1, Rio de Janeiro, jan.-jun. 2011.

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2014.

DIDI-HUBERMAN, Georges. Abrir os campos, fechar os olhos. Imagem, história, legibilidade. In: Remontagens do tempo sofrido: o olho da história, II. Belo Horizonte: Editoria UFMG, 2018.

DRAAISMA, Douwe. Metáforas da memória: uma história das ideias sobre a mente. Bauru: Edusc, 2005.

FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo: n-1 Edições, 2013.

FREUD, Sigmund. Recordar, repetir e elaborar (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise II) (1914). In: O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos (1911-1913). Rio de Janeiro: Imago, 1996 (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12).

GAGNEBIN, Jeane Marie. Prefácio – Walter Benjamin ou a história aberta. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

GINZBURG, Jaime. A interpretação do rastro em Walter Benjamin. In: SEDLMAYER, Sabrina e GINZBURG, Jaime. Walter Benjamin: rastro, aura e história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

JULIEN, Philippe. O estranho gozo do próximo: ética e psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

LACAN, Jacques. Seminário sobre “A carta roubada”. In: Escritos. São Paulo: Perspectiva.

LAPOUJADE, David. Potências do tempo. São Paulo: n-1 Edições, 2010.

LAVABRE, Marie-Claire. Du poids et du choix du passé: lecture critique du ‘Syndrome de Vichy’. In: PESCHANSKI, Denis, POLLAK, Michael e ROUSSO, Henry. Histoire politique et sciences sociales. Bruxelles: Complexes, 1991.

LEFORT, Claude. Essais sur le politique (XIXe-XXe siècles). Paris: Seuil, 1986.

LISBOA, Henriqueta. Vem, doce morte. In: Flor da morte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

LOWENTHAL, David. Como conhecemos o passado. Projeto História, v. 17, São Paulo, set. 2012.

MARCELINO, Douglas Attila. Experiências primárias e descontinuidades da recordação: notas a partir de um texto de Reinhart Koselleck. Tempo & Argumento, v. 8, n. 19, Florianópolis, set.-dez. 2016.

MARCELINO, Douglas Attila. Tempo do evento, poética da história: maio de 1968 segundo Michel de Certeau e Cornelius Castoriadis. História da Historiografia, v. 12, n. 30, Ouro Preto, ago. 2019.

MURAT, Júlia. Histórias que só existem quando lembradas, Brasil/Argentina/França, Taiga Filmes, 2011, DVD (108m).

PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016, 3 v.

RANCIÈRE, Jacques. Les noms de l’histoire: essai de poétique du savoir. Paris: Seuil, 1992.

RANCIÈRE, Jacques. O efeito de realidade e a política de ficção. Novos Estudos Cebrap, v. 29, n. 1, São Paulo, mar. 2010.

RICOEUR, Paul. Le lectura del tiempo passado: memoria y olvido. Madrid: UAM /Arrecife, 1999.

RICOEUR, Paul. La mémoire, l’histoire, l’oubli. Paris: Seuil, 2000.

RICOEUR, Paul. Vivo até a morte seguido de fragmentos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

RICOEUR, Paul. O si-mesmo como outro. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

SAHLINS, Marshall. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

SAMUEL, Raphael. Teatros da memória. Projeto História, n. 14, São Paulo, fev. 1997.

SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo-Belo Horizonte: Companhia das Letras/Editora UFMG, 2007.

SONTAG, Susan. Sobre a fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

URBAIN, Jean-Didier. Deuil, trace et mémoire. Les Cahiers de Médiologie, n. 7, Paris, 1999/1. Disponível em <http://www.gallimard.fr/Catalogue/GALLIMARD/Revue-Les-cahiers-de-mediologie>.

VECCHI, Roberto e RIBEIRO, Margarida Calafate. A memória poética da guerra colonial de Portugal na África: os vestígios como material de uma construção possível. In: SEDLMAYER, Sabrina e GINZBURG, Jaime. Walter Benjamin: rastro, aura e história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.

WORMS, Frédéric. Bergson ou os dois sentidos da vida. São Paulo: Editora Unifesp, 2010.

Downloads

Publicado

10-06-2020

Edição

Seção

Artigos

Como Citar

O historiador como fotógrafo da morte: uma leitura de Histórias que só existem quando lembradas. (2020). ArtCultura, 22(40), 191-212. https://doi.org/10.14393/artc-v22-n40-2020-56971